Altas horas da madrugada, um casal acorda ao som insistente da campainha da porta.
O dono da casa levanta-se e, pela janela, pergunta:
- O que é que você quer?
- Olá. Eu sei que é tarde. Mas preciso que alguém me empurre. A sua casa é a única nesta região. Só você me pode empurrar!
Louco de todo, o recém-acordado replica:
- Eu não o conheço. São 4 horas da madrugada e pede-me para o ajudar? Ah!, Vá é c....r! Você está bêbado.
E volta para a cama. A mulher, que também acordara,
não gostou da atitude do marido:
- Exageraste! Já ficaste sem bateria aqui há pouco tempo. Bem podias ter ajudado o indivíduo.
- Empurrá-lo? Ele está é bêbado - desculpa-se o marido.
- Mais um motivo para o ajudares - insiste a mulher. - Ele não vai conseguir andar sozinho.
Logo tu, que sempre és tão prestável...
Mordido pelos remorsos, o marido veste-se e vai para a rua:
- Hei, eu vou te ajudar! Onde é que estás?
E o bêbado, gritando do fundo do jardim:
- Aqui, no baloiço! ...
Breve momento após comprido dia
De incômodos, de penas, de cansaço
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia.
Desta janela aberta, à luz tardia
Do luar em cheio a clarear no espaço,
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparência azul da noite fria.
Chegas. O ósculo teu me vivifica
Mas é tão tarde! Rápido flutuas
Tornando logo à etérea imensidade;
E na mesa em que escrevo apenas fica
Sobre o papel - rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.
Alberto de Oliveira