Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
Miguel Torga
Na terra onde nasci há um só poeta
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.
Esse poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!
Miguel Torga
Este é o orvalho dos teus olhos.
Esta é a rosa dos teus vales.
O silêncio dos olhos está no silêncio das rosas.
Tu estás no meio,
entre a dor e o espanto da treva.
Arrancas-te ao mundo e és a perfumada
distância do mundo.
Chego sem saber, à beira dos séculos.
Despenho-me nos teus lagos quando para ti
canta o cisne mais triste.
O pólen esvoaça no meu peito, junto às tuas
nuvens.
Esta é a canção do teu amor.
Esta é a voz onde vive a tua canção.
As tuas lágrimas passam pela minha terra
a caminho do mar.
José Agostinho Baptista
Por existir me cegam,
Me estrangulam,
Me julgam,
Me condenam,
Me esfacelam.
Por me sonhar em vez de ser me insultam,
Por não dormir me culpam
E me dão o silêncio por carrasco
E a solidão por cela.
Por lhes falar, proíbem-me as palavras,
Por lhes doer, censuram-me o desejo
E marcam-me o destino a vergastadas
Pois não ousam morder o meu corpo de beijos.
Passo a passo os encontro no caminho
Que os deuses e o sangue me traçaram.
E negando-me, bebem do meu vinho
E roubam um lugar na minha cama
E comem deste pão que as minhas mãos infames amassaram.
Com angústia e com lama.
Passo a passo os encontro no caminho.
Mas eu sigo sozinho!
Dono dos ventos que me arremessaram,
Senhor dos tempos que me destruíram,
Herói dos homens que me derrubaram,
Macho das coisas que me possuíram.
Andando entre eles invento as passadas
Que hão-de em triunfo conduzir-me à morte
E as horas que sei que me estão contadas,
Deslumbram-me e correm, sem que isso me importe.
Sou eu que me chamo nas vozes que oiço,
Sou eu quem se ri nos dentes que ranjo,
Sou eu quem me corto a mim mesmo o pescoço,
Sou eu que sou doido, sou eu que sou anjo.
Sou eu que passeio as correntes e as asas
Por sobre as cidades que vou destruindo,
Sou eu o incêndio que lhes devora as casas,
O ladrão que entra quando estão dormindo.
Sou eu quem de noite lhes perturba o sono,
Lhes frustra o amor, lhes aperta a garganta.
Sou eu que os enforco numa corda de sonho
Que apodrece e cai mal o sol se levanta.
Sou eu quem de dia lhes cicia o tédio,
O tédio que pensam, que bebem e comem,
O tédio de serem sem nenhum remédio
A perfeita imagem do que for um homem.
Sou eu que partindo aos poucos lhes deixo
Uma herança de pragas e animais nocivos.
Sou eu que morrendo lhes segredo o horror
de serem inúteis e ficarem vivos.
Ary dos Santos
E a Vida foi, e é assim, e não melhora.
Esforço inútil. Tudo é ilusão.
Quantos não cismam nisso mesmo a esta hora
Com uma taça, ou um punhal na mão!
Mas a Arte, o Lar, um filho, António? Embora!
Quimeras, sonhos, bolas de sabão.
E a tortura do Além e quem lá mora!
Isso é, talvez, minha única aflição.
Toda a dor pode suportar-se, toda!
Mesmo a da noiva morta em plena boda,
Que por mortalha leva... essa que traz.
Mas uma não: é a dor do pensamento!
Ai quem me dera entrar nesse convento
Que há além da Morte e que se chama A Paz!
António Nobre
Conheço o sal da tua pele seca
depois que o estio se volveu inverno
da carne repousando em suor nocturno.
Conheço o sal do leite que bebemos
quando das bocas se estreitavam lábios
e o coração no sexo palpitava.
Conheço o sal dos teus cabelos negros
ou louros ou cinzentos que se enrolam
neste dormir de brilhos azulados.
Conheço o sal que resta em minha mãos
como nas praias o perfume fica
quando a maré desceu e se retrai.
Conheço o sal da tua boca, o sal
da tua língua, o sal de teus mamilos,
e o da cintura se encurvando de ancas.
A todo o sal conheço que é só teu,
ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,
um cristalino pó de amantes enlaçados.
Jorge de Sena
Morre lentamente
quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajectos, quem não muda de marca
Não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente
quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente
quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções,
justamente as que resgatam o brilho dos olhos,
sorrisos dos bocejos,
corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente
quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida,
fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente
quem não viaja,
quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente
quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente,
quem passa os dias queixando-se da sua má sorte
ou da chuva incessante.
Morre lentamente,
quem abandona um projecto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves,
recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior
que o simples fato de respirar. Somente a perseverança fará com que conquistemos
um estágio esplêndido de felicidade.
Martha Medeiros
Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
A vida que não se troca por palavras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
As vozes que só em mim são verdadeiras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
A impossível palavra da verdade.
Deram-me o silêncio como uma palavra impossível,
Nua e clara como o fulgor duma lâmina invencível,
Para eu guardar dentro de mim,
Para eu ignorar dentro de mim
A única palavra sem disfarce -
A Palavra que nunca se profere.
Adolfo Casais Monteiro
Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.
O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.
Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.
Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma
Alberto Caeiro
Morre lentamente
quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajectos, quem não muda de marca
Não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente
quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente
quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções,
justamente as que resgatam o brilho dos olhos,
sorrisos dos bocejos,
corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente
quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida,
fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente
quem não viaja,
quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente
quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente,
quem passa os dias queixando-se da sua má sorte
ou da chuva incessante.
Morre lentamente,
quem abandona um projecto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves,
recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior
que o simples fato de respirar. Somente a perseverança fará com que conquistemos
um estágio esplêndido de felicidade.
Martha Medeiros